quarta-feira, 26 de outubro de 2016

A arte como arma de guerra - análise da obra Guernica







“O que vocês pensam que seja um artista? Um imbecil feito só de olhos, se é pintor, ou de ouvidos, se é músico, ou de coração em forma de lira, se é poeta, ou mesmo feito de músculos, se se trata de um pugilista? Muito ao contrário, ele é ao mesmo tempo um ser político, sempre alerta aos acontecimentos tristes, alegres, violentos, aos quais reage de todas as maneiras. Não: a pintura não é feita para decorar apartamentos. É um instrumento de guerra para operações de defesa e ataque contra o inimigo”.

Essas foram palavras de Pablo Picasso (1881-1973), que pintou, em 1937, a obra de nome Guernica. Ela refere-se aos horrores da guerra e à brutalidade do bombardeio aéreo realizado por aviões alemães sobre a cidade espanhola de mesmo nome.

A obra cumpre um duplo papel: o de representar um acontecimento histórico e o de ser um acontecimento, pois é uma intervenção da cultura na luta política.

Guernica, em 26 de abril de 1937, tinha sido severamente bombardeada por aviões alemães, postos à disposição do general Francisco Franco, aliado de Hitler. Dos 7 mil habitantes da cidade, 1.654 morreram e 889 ficaram feridos. O massacre teve como objetivos a submissão da região e a demonstração da nova técnica bélica alemã, o bombardeamento de saturação, que seria depois usado em larga escala na Segunda Guerra Mundial. Esse consistia em usar técnicas modernas e científicas para maximizar os danos e o número de vítimas nos bombardeios, facilitando o avanço das unidades de infantaria. Os motivos do bombardeio eram claros: serviriam de exemplo para os espanhóis e para todos aqueles que se opusessem aos alemães e seus aliados.

Picasso assume uma posição ofensiva. Por meio da pintura de Guernica, não pretende apenas mostrar os horrores da guerra, mas obrigar a humanidade a sentir-se corresponsável - se não por participação direta, por submissão – pela carnificina realizada contra os espanhóis.

Pintada em estilo cubista, Guernica impressiona pelas figuras fragmentadas em tons de cinza, branco e preto. O que mais se destaca no quadro é a ausência de cores ou relevo, duas das principais qualidades sensíveis com as quais percebemos a natureza. Não perceber a natureza é cortar as relações que se tem com ela e com a vida. Com isso só resta a morte.

Outra característica da obra é uma crise na forma, que é a representação máxima de uma civilização. A forma como reconhecemos e admiramos o mundo é produto da cultura de nossa civilização; quando esta entra em crise, representa uma crise na própria civilização.

Estas características mostram como o autor entende a sociedade em que vive e suas transformações em seus aspectos mais gerais. Já o conteúdo representa as especificidades do acontecimento, pelos símbolos presentes na obra. Símbolos como o touro, clara referência à Espanha, indiferente diante do massacre ocorrido; o desespero do homem e da mulher, em lados opostos do quadro, sendo que o primeiro vê sua casa destruída pelas chamas e a segunda chora pelo filho morto. 

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Teorias sociológicas clássicas sobre o Estado: Marx, Weber e Durkheim

KARL  MARX (1818-1883)



- Todo Estado é uma ditadura, pois representa a dominação de uma classe sobre outra.
-    - O Estado moderno defende a ditadura dos capitalistas sobre a classe dos trabalhadores.
    – O Estado moderno tem a função de garantir as condições para o desenvolvimento da produção capitalista; é um "comitê para gerir os assuntos da burguesia".
“/.../ o Estado se tornou uma existência particular ao lado e fora da sociedade civil; mas esse Estado não é nada mais do que a forma de organização que os burgueses se dão necessariamente para a garantia recíproca de sua propriedade e de seus interesses./.../”  A ideologia alemã. (1845-46)

“O Estado jamais encontrará no Estado e na organização da sociedade o fundamento dos males sociais /.../. Onde há partidos políticos, cada um encontra o fundamento de qualquer mal no fato de que não ele, mas o seu partido adversário, acha-se ao leme do Estado.”

Karl Marx – Glosas críticas (1844)
28/07/2014 – O Globo
Segundo estimativa da Firjan
(Federação das Indústrias do Rio de Janeiro), com base em dados da CET-Rio e do Plano Diretor de Transporte Urbano, os congestionamentos na Região Metropolitana serão reduzidos nos próximos três anos. Contudo, novas obras precisam ser realizadas, para atender à demanda. “Caso não sejam feitos novos investimentos em infraestrutura de transportes e considerando as projeções de crescimento populacional e de frota de veículos, em 2017 a extensão dos congestionamentos retornará aos índices de 2013”.

“Quando as pessoas ficam paradas no trânsito, há uma produção perdida. Uma outra situação são as multas por entregas atrasadas devido ao congestionamento. E, quando você reduz a velocidade, há um aumento com o gasto do combustível. Um veículo a 20km/h num congestionamento gasta até 30% a mais que outro trafegando continuamente a 40km/h — explicou ele, acrescentando que, em média, cada trabalhador impactado perdeu R$ 32,06 por dia em 2013.” Disse  um industrial.

ÉMILE DURKHEIM (1858-1917)

- O Estado é fundamental para a coesão social; sua função é organizar a consciência do indivíduo, no sentido de limitá-lo frente aos interesses da sociedade, através da educação pública.
- O Estado moderno emancipou o indivíduo do despotismo da família, da Igreja, das corporações profissionais, dando-lhe maior liberdade.
Fato social ou coesão social são as normas que garantem ordem e harmonia à sociedade. Os fatos sociais sempre possuem tais características:
generalidade – é comum aos membros de um grupo;
exterioridade – é externo ao indivíduo, existe independentemente de sua vontade;
coercitividade – os indivíduos se sentem obrigados a seguir o comportamento e as regras  estabelecidas através do constrangimento.


“Eis o que define o Estado. É um grupo de funcionários, no seio do qual se elaboram representações que envolvem a coletividade, embora não sejam obra da coletividade./.../”  Lições de Sociologia


MAX WEBER (1864-1920)

-- O Estado é a forma de dominação legítima (que se baseia no convencimento).
-- Existem basicamente três tipos de liderança legítima:
a)Tradicional: se baseia na defesa de costumes e valores tradicionais e no incentivo ao conformismo.
b) Carismática: se baseia no carisma e no heroísmo de uma liderança.
c) Racional-legal: se baseia em um conjunto de leis, na crença de que é correto obedecer essas leis – esta é a forma típica de dominação no Estado moderno.


“Hoje, porém, temos de dizer que o Estado é uma comunidade humana que pretende, com êxito, o monopólio legítimo da força física dentro de um determinado território. /.../ O Estado é considerado como a única fonte do 'direito' de usar a violência.” A política como vocação (1919)


quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Direita e Esquerda: razões e significados de uma distinção política – Fernando Nogueira da Costa ¹

Na revolução francesa, a direita referia-se ao grupo parlamentar que se sentava ao lado direito do presidente da respectiva assembleia. Era, tradicionalmente, constituído por elementos pertencentes aos partidos conservadores. Contrapunha a ele a parte da assembleia que ficava à esquerda do presidente. Em Ciências Políticas, o conjunto de indivíduos ou grupos políticos partidários de alguma reforma social ou revolução socialista compõe a esquerda.

Entende-se como ação política a que tem por finalidade a formação de decisões coletivas que, uma vez tomadas, passam a vincular toda a coletividade. Política, portanto, é ação coletiva.

“Esquerda” e “direita” indicam programas contrapostos com relação a diversos problemas cuja solução pertence, habitualmente, à ação política. Possuem contrastes não só de ideias, mas também de interesses econômicos e de prioridades a respeito da direção a ser seguida pela sociedade. Esses contrastes existem em toda sociedade. [...]

Politicamente, os jogos de interesses são muitos. Os diversos blocos, partidos e tendências têm entre si convergências e divergências. São possíveis as mais variadas combinações de umas com as outras. O maniqueísmo – doutrina que se funda em princípios opostos, bem e mal, segundo a qual o Universo foi criado e é dominado por dois princípios antagônicos e irredutíveis: Deus ou o bem absoluto, e o mal absoluto ou o Diabo – não é a forma adequada de se encarar essa distinção política: quem não é de direita é de esquerda ou vice-versa.

Entre a escuridão e a luz, existe a penumbra. Entre o preto e o branco, não existe apenas o cinza, mas sim um arco-íris de colorações políticas [...]

Mas “direita” e “esquerda”, argumenta Norberto Bobbio, em seu livro “Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política” (São Paulo, Editora da UNESP, 1995, 129 páginas) continuam a servir como pontos de referência indispensáveis. Esse filósofo italiano contemporâneo levanta quais são os critérios para se dizer que alguém é de direita ou de esquerda.

Parte da constatação de que os homens, por um lado, são todos iguais entre si; de outro, cada indivíduo é diferente dos demais. Os que consideram mais importante, para a boa convivência humana, aquilo comum que os une, em uma coletividade, estão na margem esquerda e podem ser corretamente chamados de igualitários. Os que acham relevante, para a melhor convivência, a diversidade e/ou a competitividade, estão na margem direita e podem ser chamados de meritocratas.

São de esquerda as pessoas que se interessam pela eliminação das desigualdades sociais. A direita insiste na convicção de que as desigualdades são naturais e, enquanto tal, não são elimináveis.

Entre os economistas, não há porque descartar a distinção política entre direita e esquerda [...]

Nesse posicionamento ideológico direitista [no discurso econômico], é comum se adotar o chamado “discurso da competência“, ou seja, sugerir que “não é qualquer um que pode dizer qualquer coisa a qualquer outro em qualquer ocasião e em qualquer lugar”. Só os “competentes” ou “eficazes”, nas entrelinhas, aquele que está falando e, no máximo, seus pares ou discípulos, podem se pronunciar. Os demais são “incompetentes”…

A direita confia que as desigualdades sociais possam ser diminuídas à medida que se favoreça a competitividade geral; minimiza a proteção social e maximiza o esforço individual. A esquerda prioriza a proteção contra a competição social. Na escolha entre a competitividade e a solidariedade, enfatiza esta última.

O que define a posição de direita é a ideia de que a vida em sociedade reproduz a vida natural, com sua violência, hierarquia e eficiência. Se os homens são seres biológicos desiguais, devem submeter-se à lei do darwinismo social. Segundo essa concepção, a sociedade mercantil faz também a seleção, neste caso “social”, entre os indivíduos que podem se desenvolver — “os vencedores” — e os que podem apenas sobreviver — “os perdedores”.

A regra de ouro da direita econômica é: quem melhor se adapta ao meio ambiente econômico enriquece, inclusive dando continuidade a sua dinastia. O homem de direita, acima de tudo, preocupa-se com a defesa da tradição e da herança.

Já a atitude de esquerda pressupõe que a condição humana é fundada pela negação da herança natural. A sociedade se desenvolve, opondo-se às forças cegas da natureza. [...] Quem acredita na essência humana como essencialmente egoísta e imutável é de direita, mesmo sem saber.

Para ter consciência de si, assumindo claramente sua posição política na sociedade, a (re)leitura de Norberto Bobbio, em seu livro “Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política”, é sempre oportuna.




¹ Professor do Departamento de Economia da UNICAMP.

quarta-feira, 11 de maio de 2016

O ser humano é um ser social



Na sala de aula existe determinado número de pessoas. Olhe para elas e tente perceber as diferenças: na sala há homens e mulheres, jovens que já trabalham, brancos, negros, orientais, etc.

As características de cada pessoa, ao mesmo tempo que a tornam diferente de milhões de tantas outras pessoas, também a aproximam e a identificam com outros milhões, estabelecendo, desse modo, as diferenças e as semelhanças que marcam nossa sociedade. Somos diferentes, mas isso deve ser tratado com respeito e direitos iguais.

A cultura em que vivemos orienta nossos comportamentos em sociedade. O que vai acontecer se sairmos de casa sem roupa? Seremos presos na primeira esquina! Isso porque as regras de nossa sociedade assim determinaram. Mas o índio não vive nu em sua tribo? Sim, porque sua cultura não vê problema nisso.

Isso, porém, não é tudo. Há outro lado que não vemos com facilidade: os sentimentos, as emoções, a sensibilidade, aquilo que o ser humano tem de mais íntimo. Cada pessoa sente e percebe o mundo de forma particular.

Cada um de nós tem personalidade própria, que é resultado da união de sua cultura (a moral, a família, a origem social, os costumes, os hábitos etc.) com sua história de vida. Cada pessoa constitui sua individualidade. Por exemplo: mesmo dois irmãos criados da mesma maneira, em uma mesma casa pelos mesmo pais, desenvolvem sentimentos, emoções e comportamentos diferentes um do outro.

Existem duas pessoas idênticas? Como se explicam as diferenças entre elas?

A personalidade também se forma e desenvolve no contato com outras pessoas com as quais convivemos. Desse modo, “somos uma porção de nós mesmo e uma porção dos outros”, ou seja, “somos um somos muitos”. O indivíduo, a pessoa, só se desenvolve na sociedade. Ele, então, é um ser social.

O ser humano não existe fora da sociedade. Por isso, ele está sempre formando, estabelecendo novos vínculos, fazendo novas relações, condição necessária para sua  vida e desenvolvimento. Desse contato com outros seres humanos, estamos sempre criando novas diferenças e semelhanças.

sexta-feira, 29 de abril de 2016

Darcy Ribeiro “O povo brasileiro” Capítulo 2: O enfrentamento dos mundos


Para
 os
 que
 chegavam,
 o
 mundo
 em
 que
 entravam
 era
 a
 arena
 dos
 seus
 ganhos,
 em
 ouros
 e
 glórias,
 ainda
 que
 estas
 fossem
 principalmente
 espirituais,
 ou
 parecessem
 ser,
 como
 ocorria
 com
 os
 missionários.
 Para
 alcançá‐las,
 tudo
 lhes
 era
 concedido,
 uma
 vez
 que
 sua
 ação
 de
 além‐mar,
 por
 mais
 abjeta
 e
 brutal
 que
 chegasse
 a
 ser,
 estava
 previamente
 sacramentada
 pelas
 bulas 
e
 falas
 do
 papa
 e
 do
 rei.
 Mas 
aqui,
 o
 que 
viam, 
assombrados, 
era 
o 
que 
parecia 
ser
 uma
 humanidade
 edênica,
 anterior
 à
 que
 havia
 sido
 expulsa
 do
 Paraíso.
 Abre‐se
 com
 esse
 encontro
 um
 tempo
 novo,
 em
 que
 nenhuma
 inocência
 abrandaria
 sequer
 a
 sanha
 com
 que
 os
 invasores
 se
 lançavam
 sobre
 o
 gentio,
 prontos 
a
subjugá‐los 
pela 
honra
 de 
Deus
 e 
pela
 prosperidade 
cristã.
 Só
 hoje,
 na
 esfera
 intelectual,
 repensando
 esse
 desencontro
 se
 pode
 alcançar
 seu 
real 
significado.


               

Para 
os 
índios 
que 
ali
 estavam, 
nus 
na 
praia, 
o 
mundo 
era 
um 
luxo 
de 
se
 viver, 
tão 
rico 
de
aves, 
de 
peixes, 
de 
raízes, 
de 
frutos, 
de 
flores, 
de 
sementes,
 que 
podia 
dar 
as 
alegrias 
de 
caçar,
 de
 pescar,
 de 
plantar 
e 
colher
 a 
quanta
 gente
 aqui 
viesse 
ter. 
Na
 sua 
concepção sábia
 e
 singela, 
a
 vida 
era 
dádiva 
de
 deuses
 bons, 
que 
lhes 
doaram 
esplêndidos 
corpos, 
bons
 de 
andar, 
de 
correr,
 de
 nadar, 
de
 dançar,
 de 
lutar. 
Olhos 
bons 
de 
ver 
todas 
as 
cores, 
suas 
luzes 
e
 suas
 sombras.
 Ouvidos
 capazes
 da
 alegria
 de
 ouvir
 vozes
 estridentes
 ou
 melódicas,
 cantos
 graves
 e
 agudos
 e
 toda
 a
 sorte
 de
 sons
 que
 há. 
Narizes
 competentíssimos 
para 
fungar 
e
 cheirar 
catingas 
e
 odores. 
Bocas
 magníficas
 de
 degustar
 comidas
 doces
 e
 amargas,
 salgadas
 e
 azedas,
 tirando
 de
 cada
 qual 
o
 gozo 
que 
podia 
dar. 
E, 
sobretudo, 
sexos 
opostos 
e
complementares,
 feitos 
para 
as
 alegrias 
do 
amor.




Os
 recém‐chegados 
eram
 gente 
prática, 
experimentada, 
sofrida,
 ciente 
de
 suas 
culpas
oriundas
 do 
pecado 
de 
Adão, 
predispostos 
à 
virtude,
 com
 clara
 noção 
dos 
horrores 
do 
pecado 
e
 da 
perdição 
eterna. 
Os 
índios
 nada 
sabiam
 disso.
 Eram,
 a
 seu
 modo,
 inocentes,
 confiantes,
 sem
 qualquer
 concepção
 vicária,
 mas
 com
 claro
 sentimento
 de
 honra,
 glória
 e
 generosidade,
 e
 capacitados,
 como
 gente 
alguma 
jamais 
o 
foi,
 para 
a 
convivência 
solidária.
 



Aos 
olhos
 dos 
recém‐chegados,
 aquela 
indiada 
louçã, 
de
 encher
 os 
olhos 
só
 pelo 
prazer 
de 
vê‐los, 
aos
 homens
 e
 às
 mulheres,
 com
 seus 
corpos 
em 
flor, 
 tinha
 um
 defeito
 capital:
 eram
 vadios,
 vivendo
 uma
 vida
 inútil
 e
 sem
 prestança.
 Que
 é
 que
 produziam?
 Nada.
 Que
 é
 que
 amealhavam?
 Nada.
 Viviam
 suas
 fúteis
 vidas
 fartas,
 como
 se
 neste
 mundo
 só
 lhes
 coubesse
 viver.
 



Aos 
olhos 
dos 
índios, 
os 
oriundos 
do 
mar 
oceano 
pareciam 
aflitos 
demais.
 Por 
que 
se
afanavam 
tanto 
em
 seus
 fazimentos?
 Por
 que
 acumulavam 
tudo,
 gostando
 mais
 de
 tomar
 e
 reter
 do
 que
 de
 dar,
 intercambiar?
 Sua
 sofreguidão
 seria
 inverossímil
 se
 não
 fosse
 tão
 visível
 no
 empenho
 de
 juntar
 toras
 de
 pau
 vermelho,
 como
 se
 estivessem
 condenados,
 para
 sobreviver,
 a
 alcançá‐las
 e 
embarcá‐las 
incansavelmente?
 

Temeriam 
eles,
 acaso, 
que 
as
  florestas 
fossem
 acabar 
e,
 com
 elas, 
as
 aves
 e
 as 
caças? 
Que 
os
 rios 
e 
o
 mar 
fossem 
secar,
matando 
os 
peixes 
todos?


domingo, 10 de abril de 2016

Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH)/ ONU/ 1948 - Na íntegra

No dia 10 de dezembro de 1948, a Assembléia Geral das Nações Unidas adotou e proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos cujo texto, na íntegra, pode ser lido a seguir. Logo após, a Assembléia Geral solicitou a todos os Países - Membros que publicassem o texto da Declaração”para que ele fosse divulgado, mostrado, lido e explicado, principalmente nas escolas e em outras instituições educacionais, sem distinção nenhuma baseada na situação política ou econômica dos Países ou Estados.” 

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS 

Preâmbulo 

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, 

Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os todos gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do ser humano comum, 

Considerando ser essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo império da lei, para que o ser humano não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão, Considerando ser essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações, 

Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta da ONU, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor do ser humano e na igualdade de direitos entre homens e mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla,

Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a promover, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos e liberdades humanas fundamentais e a observância desses direitos e liberdades, 

Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso, 

Agora portanto A ASSEMBLÉIA GERAL proclama A PRESENTE DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universal e efetiva, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição. 

Artigo I 
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade. 

Artigo II 
1 - Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. 
2 - Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania. 

Artigo III 
Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. 

Artigo IV 
Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas. 

Artigo V 
Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante. 

Artigo VI 
Todo ser humano tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei.

Artigo VII 
Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação. 

Artigo VIII 
Todo ser humano tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.

Artigo IX 
Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado. 

Artigo X 
Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir sobre seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.

Artigo XI 
1. Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa. 
2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Também não será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso.

Artigo XII 
Ninguém será sujeito à interferência em sua vida privada, em sua família, em seu lar ou em sua correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação. Todo ser humano tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques. 

Artigo XIII 
1. Todo ser humano tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado. 
2. Todo ser humano tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este regressar. 

Artigo XIV 
1. Todo ser humano, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países. 
2. Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos objetivos e princípios das Nações Unidas. 

Artigo XV 
1. Todo homem tem direito a uma nacionalidade. 
2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade. 

Artigo XVI 
1. Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução. 
2. O casamento não será válido senão com o livre e pleno consentimento dos nubentes.
3. A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado. 

Artigo XVII 
1. Todo ser humano tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros. 
2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade. 

Artigo XVIII 
Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, em público ou em particular. 

Artigo XIX 
Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras. 

Artigo XX 
1. Todo ser humano tem direito à liberdade de reunião e associação pacífica. 
2. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação. 

Artigo XXI 
1. Todo ser humano tem o direito de fazer parte no governo de seu país diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos. 
2. Todo ser humano tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país. 
3. A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto.

Artigo XXII 
Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à segurança social, à realização pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade. 

Artigo XXIII 
1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. 
2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho. 
3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.
 4. Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção de seus interesses. 

Artigo XXIV 
Todo ser humano tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas. 

Artigo XXV 
1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio gozarão da mesma proteção social.

Artigo XXVI 
1. Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito.
2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz. 
3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos. 

Artigo XXVII 
1. Todo ser humano tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir das artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios. 
2. Todo ser humano tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica literária ou artística da qual seja autor. 

Artigo XXVIII 
Todo ser humano tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados. 

Artigo XXIX 
1. Todo ser humano tem deveres para com a comunidade, na qual o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível. 
2. No exercício de seus direitos e liberdades, todo ser humano estará sujeito apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática. 
3. Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente aos objetivos e princípios das Nações Unidas. 

Artigo XXX
Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e liberdades aqui estabelecidos.


segunda-feira, 28 de março de 2016

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão - França/1789 - 3º ano


Os representantes do povo francês, reunidos em Assembléia Nacional, tendo em vista que a ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos do homem são as únicas causas dos males públicos e da corrupção dos Governos, resolveram declarar solenemente os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem, a fim de que esta declaração, sempre presente em todos os membros do corpo social, lhes lembre permanentemente seus direitos e seus deveres; a fim de que os atos do Poder Legislativo e do Poder Executivo, podendo ser a qualquer momento comparados com a finalidade de toda a instituição política, sejam por isso mais respeitados; a fim de que as reivindicações dos cidadãos, doravante fundadas em princípios simples e incontestáveis, se dirijam sempre à conservação da Constituição e à felicidade geral.

Em razão disto, a Assembléia Nacional reconhece e declara, na presença e sob a égide do Ser Supremo, os seguintes direitos do homem e do cidadão:

Art.1º. Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum.
Art. 2º. A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade a segurança e a resistência à opressão.
Art. 3º. O princípio de toda a soberania reside, essencialmente, na nação. Nenhuma operação, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela não emane expressamente.
Art. 4º. A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo. Assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela lei.
Art. 5º. A lei não proíbe senão as ações nocivas à sociedade. Tudo que não é vedado pela lei não pode ser obstado e ninguém pode ser constrangido a fazer o que ela não ordene.
Art. 6º. A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer, pessoalmente ou através de mandatários, para a sua formação. Ela deve ser a mesma para todos, seja para proteger, seja para punir. Todos os cidadãos são iguais a seus olhos e igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua capacidade e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos.
Art. 7º. Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos determinados pela lei e de acordo com as formas por esta prescritas. Os que solicitam, expedem, executam ou mandam executar ordens arbitrárias devem ser punidos; mas qualquer cidadão convocado ou detido em virtude da lei deve obedecer imediatamente, caso contrário torna-se culpado de resistência.
Art. 8º. A lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão por força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e legalmente aplicada.
Art. 9º. Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei.
Art. 10º. Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei.
Art. 11º. A livre comunicação das idéias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei.
Art. 12º. A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita de uma força pública. Esta força é, pois, instituída para fruição por todos, e não para utilidade particular daqueles a quem é confiada.
Art. 13º. Para a manutenção da força pública e para as despesas de administração é indispensável uma contribuição comum que deve ser dividida entre os cidadãos de acordo com suas possibilidades.
Art. 14º. Todos os cidadãos têm direito de verificar, por si ou pelos seus representantes, da necessidade da contribuição pública, de consenti-la livremente, de observar o seu emprego e de lhe fixar a repartição, a coleta, a cobrança e a duração.
Art. 15º. A sociedade tem o direito de pedir contas a todo agente público pela sua administração.
Art. 16.º A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição.
Art. 17.º Como a propriedade é um direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser privado, a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir e sob condição de justa e prévia indenização.

Caio Prado Jr. - História Econômica do Brasil - 2º ano

Caio Prado Júnior (1907-1990) foi um dos principais historiadores brasileiros. Seus livros Evolução política do Brasil (1935), Formação do Brasil contemporâneo (1942), História econômica do Brasil (1945) e A revolução brasileira (1966) continuam sendo referências para os estudiosos da sociedade brasileira mesmo após tantas décadas.
O eixo que unifica essas obras é a análise histórica da formação do Brasil, com especial atenção para o que ele chama de "sentido da colonização": as características socioeconômicas do Brasil moderno foram consolidadas ainda no período colonial, sendo assim, a chave para a compreensão de nossa sociedade estaria na identificação das relações estabelecidas entre a empresa colonial e a metrópole portuguesa. O texto abaixo foi retirado do livro História econômica do Brasil:

Caráter inicial e geral da formação econômica brasileira (Cap. 1/Parte 2)
Para se compreender o caráter da colonização brasileira é preciso recuar no tempo para antes do seu início, e indagar das circunstâncias que a determinaram. A expansão marítima dos países da
Europa, depois do séc. XV, expansão de que a descoberta e colonização da América constituem o capítulo que particularmente nos interessa aqui, se origina de simples empresas comerciais levadas a efeito pelos navegadores daqueles países. [...]
Em suma e no essencial, todos os grandes acontecimentos desta era a que se convencionou com razão chamar de "descobrimentos" (séculos XV e XVI), articulam-se num conjunto que não é senão um capítulo da história do comércio europeu. Tudo que se passa são incidentes da imensa empresa comercial a que se dedicam os países da Europa a partir do séc. XV e que lhes alargará o horizonte pelo Oceano afora. Não têm outro caráter a exploração da costa africana e o descobrimento e a colonização das Ilhas pelos portugueses, o roteiro das índias, o descobrimento da América, a exploração e ocupação de seus vários setores. [...]
Tudo isto lança muita luz sobre o espírito com que os povos da Europa abordam a América. A ideia de povoar não ocorre inicialmente a nenhum. É o comércio que os interessa, e daí o relativo desprezo por estes territórios primitivos e vazios que formam a América; e inversamente, o prestígio do Oriente, onde não faltava objeto para atividades mercantis. [...]
Na América a situação se apresenta de forma inteiramente diversa: um território primitivo, habitado por rala população indígena incapaz de fornecer qualquer coisa de realmente aproveitável. Para os fins mercantis que se tinham em vista, a ocupação só poderia ser realizada para organizar a produção dos gêneros que interessavam ao comércio europeu. A ideia de povoar surge daí e só daí. [...]
A América pôs à disposição dos povos europeus, em tratos imensos, territórios que só esperavam a iniciativa e o esforço do homem. É isto que estimulará a ocupação dos trópicos americanos. Mas trazendo este agudo interesse, o colono europeu não traria com ele a disposição de pôr-lhe a serviço, neste meio tão difícil e estranho, a energia do seu trabalho físico. Viria como dirigente da produção de gêneros de grande valor comercial, como empresário de um negócio rendoso; mas só a contragosto, como trabalhador. Outros trabalhariam para ele.[...]
Portugueses e espanhóis, particularmente estes últimos, encontram nas suas colônias indígenas que se puderam aproveitar como trabalhadores. Além disso, os portugueses tinham sido os precursores desta feição particular do mundo moderno: a escravidão de negros africanos; e dominavam os territórios que os forneciam.

No seu conjunto, e vista no plano mundial e internacional, a colonização da América toma o aspecto de uma vasta empresa comercial /.../ destinada a explorar os recursos naturais de um território virgem em proveito do comércio europeu. É este o verdadeiro sentido da colonização tropical, de que o Brasil é uma das resultantes; e ele explicará os elementos fundamentais, tanto no social como no econômico, da formação e evolução histórica dos trópicos americanos. Se vamos à essência da nossa formação, veremos que na realidade nos constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais tarde, ouro e diamante; depois algodão, e em seguida café, para o comércio europeu. Nada mais que isto. É com tal objetivo, objetivo exterior, voltado para fora do país e sem atenção a considerações que não fossem o interesse daquele comércio, que se organizarão a sociedade e a economia brasileiras. Tudo se disporá naquele sentido: a estrutura social, bem como as atividades do país. Virá o branco europeu para especular, realizar um negócio; inverterá seus cabedais e recrutará a mão de obra de que precisa: indígenas ou negros importados. Com tais elementos, articulados numa organização puramente produtora, mercantil, constituir-se-á a colônia brasileira.