sexta-feira, 29 de abril de 2016

Darcy Ribeiro “O povo brasileiro” Capítulo 2: O enfrentamento dos mundos


Para
 os
 que
 chegavam,
 o
 mundo
 em
 que
 entravam
 era
 a
 arena
 dos
 seus
 ganhos,
 em
 ouros
 e
 glórias,
 ainda
 que
 estas
 fossem
 principalmente
 espirituais,
 ou
 parecessem
 ser,
 como
 ocorria
 com
 os
 missionários.
 Para
 alcançá‐las,
 tudo
 lhes
 era
 concedido,
 uma
 vez
 que
 sua
 ação
 de
 além‐mar,
 por
 mais
 abjeta
 e
 brutal
 que
 chegasse
 a
 ser,
 estava
 previamente
 sacramentada
 pelas
 bulas 
e
 falas
 do
 papa
 e
 do
 rei.
 Mas 
aqui,
 o
 que 
viam, 
assombrados, 
era 
o 
que 
parecia 
ser
 uma
 humanidade
 edênica,
 anterior
 à
 que
 havia
 sido
 expulsa
 do
 Paraíso.
 Abre‐se
 com
 esse
 encontro
 um
 tempo
 novo,
 em
 que
 nenhuma
 inocência
 abrandaria
 sequer
 a
 sanha
 com
 que
 os
 invasores
 se
 lançavam
 sobre
 o
 gentio,
 prontos 
a
subjugá‐los 
pela 
honra
 de 
Deus
 e 
pela
 prosperidade 
cristã.
 Só
 hoje,
 na
 esfera
 intelectual,
 repensando
 esse
 desencontro
 se
 pode
 alcançar
 seu 
real 
significado.


               

Para 
os 
índios 
que 
ali
 estavam, 
nus 
na 
praia, 
o 
mundo 
era 
um 
luxo 
de 
se
 viver, 
tão 
rico 
de
aves, 
de 
peixes, 
de 
raízes, 
de 
frutos, 
de 
flores, 
de 
sementes,
 que 
podia 
dar 
as 
alegrias 
de 
caçar,
 de
 pescar,
 de 
plantar 
e 
colher
 a 
quanta
 gente
 aqui 
viesse 
ter. 
Na
 sua 
concepção sábia
 e
 singela, 
a
 vida 
era 
dádiva 
de
 deuses
 bons, 
que 
lhes 
doaram 
esplêndidos 
corpos, 
bons
 de 
andar, 
de 
correr,
 de
 nadar, 
de
 dançar,
 de 
lutar. 
Olhos 
bons 
de 
ver 
todas 
as 
cores, 
suas 
luzes 
e
 suas
 sombras.
 Ouvidos
 capazes
 da
 alegria
 de
 ouvir
 vozes
 estridentes
 ou
 melódicas,
 cantos
 graves
 e
 agudos
 e
 toda
 a
 sorte
 de
 sons
 que
 há. 
Narizes
 competentíssimos 
para 
fungar 
e
 cheirar 
catingas 
e
 odores. 
Bocas
 magníficas
 de
 degustar
 comidas
 doces
 e
 amargas,
 salgadas
 e
 azedas,
 tirando
 de
 cada
 qual 
o
 gozo 
que 
podia 
dar. 
E, 
sobretudo, 
sexos 
opostos 
e
complementares,
 feitos 
para 
as
 alegrias 
do 
amor.




Os
 recém‐chegados 
eram
 gente 
prática, 
experimentada, 
sofrida,
 ciente 
de
 suas 
culpas
oriundas
 do 
pecado 
de 
Adão, 
predispostos 
à 
virtude,
 com
 clara
 noção 
dos 
horrores 
do 
pecado 
e
 da 
perdição 
eterna. 
Os 
índios
 nada 
sabiam
 disso.
 Eram,
 a
 seu
 modo,
 inocentes,
 confiantes,
 sem
 qualquer
 concepção
 vicária,
 mas
 com
 claro
 sentimento
 de
 honra,
 glória
 e
 generosidade,
 e
 capacitados,
 como
 gente 
alguma 
jamais 
o 
foi,
 para 
a 
convivência 
solidária.
 



Aos 
olhos
 dos 
recém‐chegados,
 aquela 
indiada 
louçã, 
de
 encher
 os 
olhos 
só
 pelo 
prazer 
de 
vê‐los, 
aos
 homens
 e
 às
 mulheres,
 com
 seus 
corpos 
em 
flor, 
 tinha
 um
 defeito
 capital:
 eram
 vadios,
 vivendo
 uma
 vida
 inútil
 e
 sem
 prestança.
 Que
 é
 que
 produziam?
 Nada.
 Que
 é
 que
 amealhavam?
 Nada.
 Viviam
 suas
 fúteis
 vidas
 fartas,
 como
 se
 neste
 mundo
 só
 lhes
 coubesse
 viver.
 



Aos 
olhos 
dos 
índios, 
os 
oriundos 
do 
mar 
oceano 
pareciam 
aflitos 
demais.
 Por 
que 
se
afanavam 
tanto 
em
 seus
 fazimentos?
 Por
 que
 acumulavam 
tudo,
 gostando
 mais
 de
 tomar
 e
 reter
 do
 que
 de
 dar,
 intercambiar?
 Sua
 sofreguidão
 seria
 inverossímil
 se
 não
 fosse
 tão
 visível
 no
 empenho
 de
 juntar
 toras
 de
 pau
 vermelho,
 como
 se
 estivessem
 condenados,
 para
 sobreviver,
 a
 alcançá‐las
 e 
embarcá‐las 
incansavelmente?
 

Temeriam 
eles,
 acaso, 
que 
as
  florestas 
fossem
 acabar 
e,
 com
 elas, 
as
 aves
 e
 as 
caças? 
Que 
os
 rios 
e 
o
 mar 
fossem 
secar,
matando 
os 
peixes 
todos?


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