segunda-feira, 28 de março de 2016

Caio Prado Jr. - História Econômica do Brasil - 2º ano

Caio Prado Júnior (1907-1990) foi um dos principais historiadores brasileiros. Seus livros Evolução política do Brasil (1935), Formação do Brasil contemporâneo (1942), História econômica do Brasil (1945) e A revolução brasileira (1966) continuam sendo referências para os estudiosos da sociedade brasileira mesmo após tantas décadas.
O eixo que unifica essas obras é a análise histórica da formação do Brasil, com especial atenção para o que ele chama de "sentido da colonização": as características socioeconômicas do Brasil moderno foram consolidadas ainda no período colonial, sendo assim, a chave para a compreensão de nossa sociedade estaria na identificação das relações estabelecidas entre a empresa colonial e a metrópole portuguesa. O texto abaixo foi retirado do livro História econômica do Brasil:

Caráter inicial e geral da formação econômica brasileira (Cap. 1/Parte 2)
Para se compreender o caráter da colonização brasileira é preciso recuar no tempo para antes do seu início, e indagar das circunstâncias que a determinaram. A expansão marítima dos países da
Europa, depois do séc. XV, expansão de que a descoberta e colonização da América constituem o capítulo que particularmente nos interessa aqui, se origina de simples empresas comerciais levadas a efeito pelos navegadores daqueles países. [...]
Em suma e no essencial, todos os grandes acontecimentos desta era a que se convencionou com razão chamar de "descobrimentos" (séculos XV e XVI), articulam-se num conjunto que não é senão um capítulo da história do comércio europeu. Tudo que se passa são incidentes da imensa empresa comercial a que se dedicam os países da Europa a partir do séc. XV e que lhes alargará o horizonte pelo Oceano afora. Não têm outro caráter a exploração da costa africana e o descobrimento e a colonização das Ilhas pelos portugueses, o roteiro das índias, o descobrimento da América, a exploração e ocupação de seus vários setores. [...]
Tudo isto lança muita luz sobre o espírito com que os povos da Europa abordam a América. A ideia de povoar não ocorre inicialmente a nenhum. É o comércio que os interessa, e daí o relativo desprezo por estes territórios primitivos e vazios que formam a América; e inversamente, o prestígio do Oriente, onde não faltava objeto para atividades mercantis. [...]
Na América a situação se apresenta de forma inteiramente diversa: um território primitivo, habitado por rala população indígena incapaz de fornecer qualquer coisa de realmente aproveitável. Para os fins mercantis que se tinham em vista, a ocupação só poderia ser realizada para organizar a produção dos gêneros que interessavam ao comércio europeu. A ideia de povoar surge daí e só daí. [...]
A América pôs à disposição dos povos europeus, em tratos imensos, territórios que só esperavam a iniciativa e o esforço do homem. É isto que estimulará a ocupação dos trópicos americanos. Mas trazendo este agudo interesse, o colono europeu não traria com ele a disposição de pôr-lhe a serviço, neste meio tão difícil e estranho, a energia do seu trabalho físico. Viria como dirigente da produção de gêneros de grande valor comercial, como empresário de um negócio rendoso; mas só a contragosto, como trabalhador. Outros trabalhariam para ele.[...]
Portugueses e espanhóis, particularmente estes últimos, encontram nas suas colônias indígenas que se puderam aproveitar como trabalhadores. Além disso, os portugueses tinham sido os precursores desta feição particular do mundo moderno: a escravidão de negros africanos; e dominavam os territórios que os forneciam.

No seu conjunto, e vista no plano mundial e internacional, a colonização da América toma o aspecto de uma vasta empresa comercial /.../ destinada a explorar os recursos naturais de um território virgem em proveito do comércio europeu. É este o verdadeiro sentido da colonização tropical, de que o Brasil é uma das resultantes; e ele explicará os elementos fundamentais, tanto no social como no econômico, da formação e evolução histórica dos trópicos americanos. Se vamos à essência da nossa formação, veremos que na realidade nos constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais tarde, ouro e diamante; depois algodão, e em seguida café, para o comércio europeu. Nada mais que isto. É com tal objetivo, objetivo exterior, voltado para fora do país e sem atenção a considerações que não fossem o interesse daquele comércio, que se organizarão a sociedade e a economia brasileiras. Tudo se disporá naquele sentido: a estrutura social, bem como as atividades do país. Virá o branco europeu para especular, realizar um negócio; inverterá seus cabedais e recrutará a mão de obra de que precisa: indígenas ou negros importados. Com tais elementos, articulados numa organização puramente produtora, mercantil, constituir-se-á a colônia brasileira.