“O que vocês pensam que seja um artista? Um imbecil feito só de olhos,
se é pintor, ou de ouvidos, se é músico, ou de coração em forma de lira, se é
poeta, ou mesmo feito de músculos, se se trata de um pugilista? Muito ao contrário,
ele é ao mesmo tempo um ser político, sempre alerta aos acontecimentos tristes,
alegres, violentos, aos quais reage de todas as maneiras. Não: a pintura não é
feita para decorar apartamentos. É um instrumento de guerra para operações de
defesa e ataque contra o inimigo”.
Essas foram palavras de Pablo
Picasso (1881-1973), que pintou, em 1937, a obra de nome Guernica. Ela refere-se aos horrores da guerra e à brutalidade do
bombardeio aéreo realizado por aviões alemães sobre a cidade espanhola de mesmo
nome.
A obra cumpre um duplo papel: o
de representar um acontecimento histórico e o de ser um acontecimento, pois é
uma intervenção da cultura na luta política.
Guernica, em 26 de abril de 1937, tinha sido severamente
bombardeada por aviões alemães, postos à disposição do general Francisco
Franco, aliado de Hitler. Dos 7 mil habitantes da cidade, 1.654 morreram e 889
ficaram feridos. O massacre teve como objetivos a submissão da região e a
demonstração da nova técnica bélica alemã, o bombardeamento de saturação, que
seria depois usado em larga escala na Segunda Guerra Mundial. Esse consistia em
usar técnicas modernas e científicas para maximizar os danos e o número de
vítimas nos bombardeios, facilitando o avanço das unidades de infantaria. Os
motivos do bombardeio eram claros: serviriam de exemplo para os espanhóis e
para todos aqueles que se opusessem aos alemães e seus aliados.
Picasso assume uma posição
ofensiva. Por meio da pintura de Guernica,
não pretende apenas mostrar os horrores da guerra, mas obrigar a humanidade a
sentir-se corresponsável - se não por participação direta, por submissão – pela
carnificina realizada contra os espanhóis.
Pintada em estilo cubista, Guernica impressiona pelas figuras
fragmentadas em tons de cinza, branco e preto. O que mais se destaca no quadro
é a ausência de cores ou relevo, duas das principais qualidades sensíveis com
as quais percebemos a natureza. Não perceber a natureza é cortar as relações
que se tem com ela e com a vida. Com isso só resta a morte.
Outra característica da obra é
uma crise na forma, que é a representação máxima de uma civilização. A forma
como reconhecemos e admiramos o mundo é produto da cultura de nossa
civilização; quando esta entra em crise, representa uma crise na própria
civilização.
Estas características mostram
como o autor entende a sociedade em que vive e suas transformações em seus
aspectos mais gerais. Já o conteúdo representa as especificidades do
acontecimento, pelos símbolos presentes na obra. Símbolos como o touro, clara
referência à Espanha, indiferente diante do massacre ocorrido; o desespero do
homem e da mulher, em lados opostos do quadro, sendo que o primeiro vê sua casa
destruída pelas chamas e a segunda chora pelo filho morto.