segunda-feira, 28 de março de 2016

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão - França/1789 - 3º ano


Os representantes do povo francês, reunidos em Assembléia Nacional, tendo em vista que a ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos do homem são as únicas causas dos males públicos e da corrupção dos Governos, resolveram declarar solenemente os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem, a fim de que esta declaração, sempre presente em todos os membros do corpo social, lhes lembre permanentemente seus direitos e seus deveres; a fim de que os atos do Poder Legislativo e do Poder Executivo, podendo ser a qualquer momento comparados com a finalidade de toda a instituição política, sejam por isso mais respeitados; a fim de que as reivindicações dos cidadãos, doravante fundadas em princípios simples e incontestáveis, se dirijam sempre à conservação da Constituição e à felicidade geral.

Em razão disto, a Assembléia Nacional reconhece e declara, na presença e sob a égide do Ser Supremo, os seguintes direitos do homem e do cidadão:

Art.1º. Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum.
Art. 2º. A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade a segurança e a resistência à opressão.
Art. 3º. O princípio de toda a soberania reside, essencialmente, na nação. Nenhuma operação, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela não emane expressamente.
Art. 4º. A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo. Assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela lei.
Art. 5º. A lei não proíbe senão as ações nocivas à sociedade. Tudo que não é vedado pela lei não pode ser obstado e ninguém pode ser constrangido a fazer o que ela não ordene.
Art. 6º. A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer, pessoalmente ou através de mandatários, para a sua formação. Ela deve ser a mesma para todos, seja para proteger, seja para punir. Todos os cidadãos são iguais a seus olhos e igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua capacidade e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos.
Art. 7º. Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos determinados pela lei e de acordo com as formas por esta prescritas. Os que solicitam, expedem, executam ou mandam executar ordens arbitrárias devem ser punidos; mas qualquer cidadão convocado ou detido em virtude da lei deve obedecer imediatamente, caso contrário torna-se culpado de resistência.
Art. 8º. A lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão por força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e legalmente aplicada.
Art. 9º. Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei.
Art. 10º. Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei.
Art. 11º. A livre comunicação das idéias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei.
Art. 12º. A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita de uma força pública. Esta força é, pois, instituída para fruição por todos, e não para utilidade particular daqueles a quem é confiada.
Art. 13º. Para a manutenção da força pública e para as despesas de administração é indispensável uma contribuição comum que deve ser dividida entre os cidadãos de acordo com suas possibilidades.
Art. 14º. Todos os cidadãos têm direito de verificar, por si ou pelos seus representantes, da necessidade da contribuição pública, de consenti-la livremente, de observar o seu emprego e de lhe fixar a repartição, a coleta, a cobrança e a duração.
Art. 15º. A sociedade tem o direito de pedir contas a todo agente público pela sua administração.
Art. 16.º A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição.
Art. 17.º Como a propriedade é um direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser privado, a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir e sob condição de justa e prévia indenização.

Caio Prado Jr. - História Econômica do Brasil - 2º ano

Caio Prado Júnior (1907-1990) foi um dos principais historiadores brasileiros. Seus livros Evolução política do Brasil (1935), Formação do Brasil contemporâneo (1942), História econômica do Brasil (1945) e A revolução brasileira (1966) continuam sendo referências para os estudiosos da sociedade brasileira mesmo após tantas décadas.
O eixo que unifica essas obras é a análise histórica da formação do Brasil, com especial atenção para o que ele chama de "sentido da colonização": as características socioeconômicas do Brasil moderno foram consolidadas ainda no período colonial, sendo assim, a chave para a compreensão de nossa sociedade estaria na identificação das relações estabelecidas entre a empresa colonial e a metrópole portuguesa. O texto abaixo foi retirado do livro História econômica do Brasil:

Caráter inicial e geral da formação econômica brasileira (Cap. 1/Parte 2)
Para se compreender o caráter da colonização brasileira é preciso recuar no tempo para antes do seu início, e indagar das circunstâncias que a determinaram. A expansão marítima dos países da
Europa, depois do séc. XV, expansão de que a descoberta e colonização da América constituem o capítulo que particularmente nos interessa aqui, se origina de simples empresas comerciais levadas a efeito pelos navegadores daqueles países. [...]
Em suma e no essencial, todos os grandes acontecimentos desta era a que se convencionou com razão chamar de "descobrimentos" (séculos XV e XVI), articulam-se num conjunto que não é senão um capítulo da história do comércio europeu. Tudo que se passa são incidentes da imensa empresa comercial a que se dedicam os países da Europa a partir do séc. XV e que lhes alargará o horizonte pelo Oceano afora. Não têm outro caráter a exploração da costa africana e o descobrimento e a colonização das Ilhas pelos portugueses, o roteiro das índias, o descobrimento da América, a exploração e ocupação de seus vários setores. [...]
Tudo isto lança muita luz sobre o espírito com que os povos da Europa abordam a América. A ideia de povoar não ocorre inicialmente a nenhum. É o comércio que os interessa, e daí o relativo desprezo por estes territórios primitivos e vazios que formam a América; e inversamente, o prestígio do Oriente, onde não faltava objeto para atividades mercantis. [...]
Na América a situação se apresenta de forma inteiramente diversa: um território primitivo, habitado por rala população indígena incapaz de fornecer qualquer coisa de realmente aproveitável. Para os fins mercantis que se tinham em vista, a ocupação só poderia ser realizada para organizar a produção dos gêneros que interessavam ao comércio europeu. A ideia de povoar surge daí e só daí. [...]
A América pôs à disposição dos povos europeus, em tratos imensos, territórios que só esperavam a iniciativa e o esforço do homem. É isto que estimulará a ocupação dos trópicos americanos. Mas trazendo este agudo interesse, o colono europeu não traria com ele a disposição de pôr-lhe a serviço, neste meio tão difícil e estranho, a energia do seu trabalho físico. Viria como dirigente da produção de gêneros de grande valor comercial, como empresário de um negócio rendoso; mas só a contragosto, como trabalhador. Outros trabalhariam para ele.[...]
Portugueses e espanhóis, particularmente estes últimos, encontram nas suas colônias indígenas que se puderam aproveitar como trabalhadores. Além disso, os portugueses tinham sido os precursores desta feição particular do mundo moderno: a escravidão de negros africanos; e dominavam os territórios que os forneciam.

No seu conjunto, e vista no plano mundial e internacional, a colonização da América toma o aspecto de uma vasta empresa comercial /.../ destinada a explorar os recursos naturais de um território virgem em proveito do comércio europeu. É este o verdadeiro sentido da colonização tropical, de que o Brasil é uma das resultantes; e ele explicará os elementos fundamentais, tanto no social como no econômico, da formação e evolução histórica dos trópicos americanos. Se vamos à essência da nossa formação, veremos que na realidade nos constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais tarde, ouro e diamante; depois algodão, e em seguida café, para o comércio europeu. Nada mais que isto. É com tal objetivo, objetivo exterior, voltado para fora do país e sem atenção a considerações que não fossem o interesse daquele comércio, que se organizarão a sociedade e a economia brasileiras. Tudo se disporá naquele sentido: a estrutura social, bem como as atividades do país. Virá o branco europeu para especular, realizar um negócio; inverterá seus cabedais e recrutará a mão de obra de que precisa: indígenas ou negros importados. Com tais elementos, articulados numa organização puramente produtora, mercantil, constituir-se-á a colônia brasileira.